I. Uma Visão Panorâmica da Primeira Epístola de João
Autor, data e local da escrita
1. Autor, data e local da
escrita
A
definição da autoria, data e local da escrita, como a maioria dos livros
bíblicos, é contraditória e motivo de várias controvérsias. No entanto, fica
evidente que a primeira carta é anônima, ou seja, o autor não se identifica,
apesar de que, para a época, mesmo a citação do nome não garantia a autoria,
pois a pseudonímia era uma prática comum. Tradicionalmente se afirmava que
tanto as três epístolas como o evangelho foram escritos por João, filho de
Zebedeu. Segundo Arrington e Stronstad (2012, p. 945), membros da Comissão
Editorial da Bíblia de Estudo Pentecostal, o primeiro defensor da autoria comum
do Evangelho de João e a primeira carta foi Dionísio de Alexandria no século
III, mas, por muitos anos, existiu a dúvida a respeito dessa autoria comum.
Eles afirmam que a autoria destes livros por João, o filho de Zebedeu, “não é
enfim crucial em termos de interpretação e certamente não o é em termos de
inspiração e autoridade. Não há nenhuma razão para que um assistente de João
não pudesse ser o responsável pelos escritos de 1 João”.
No
entanto, as semelhanças entre os livros demonstram que possuem
A
data e a localização dependem da definição da autoria. Contudo, entre os
estudiosos do Novo Testamento, é aceito que o evangelho foi escrito antes das
epístolas. Considerando a escrita do evangelho na última década do século I,
durante a segunda fase da formação das comunidades joaninas, as epístolas foram
escritas no final desta década, na terceira fase da formação das comunidades. Na
epístola, não há indicação do local da escrita, mas a cidade de Éfeso, na Ásia
Menor, onde existia a comunidade joanina mais velha, tem sido um dos principais
locais para a escrita. Todavia, como afirmam Arrington e Stronstad (2012, p. 945),
“o conhecimento do local específico da escrita” da epístola não é crucial para
a sua interpretação.
2. Destinatários e propósito
da epístola
Arrington
e Stronstad (2012, p. 946) asseveram que “os estudiosos modernos frequentemente
se referem a estes crentes como ‘a comunidade joanina’. [...] Esta ‘comunidade’
poderia muito provavelmente ter sido uma associação de várias congregações ou
igrejas que se reuniam nas casas”. Como na maioria das epístolas, o autor
também se ocupa com a influência dos falsos mestres que estavam desvirtuando
alguns membros e, então, escreve para orientá-los. A maioria dos falsos mestres
na época da escrita da epístola era simpatizante das crenças gnósticas, que
tinham o conhecimento místico como fonte de salvação.
Na
época da escrita da epístola, a comunidade joanina passava por um período de
conflitos internos. O autor afirma que, de seu grupo, saíram pessoas que eram
contra Cristo (anticristos) para que ficasse claro que nem todos os membros da
comunidade eram realmente convertidos (1 Jo 2.19). Não bastasse isso, eles
tentavam desencaminhar membros da comunidade que permaneciam firmes e, com
isso, provocavam problemas de poder da autoridade local (1 Jo 1.7; 2.2; 2.22,23,26;
3.7; 4.1-3,10; 5.5,6). A comunidade estava acuada pelas influências externas, perseguições
e dissensões internas promovidas, em especial, por esses falsos mestres. O
autor encoraja a comunidade por meio da ênfase na fé cristológica e o amor
fraterno que vence o mundo (1 Jo 5.1-5).
De
forma sintética, o autor incentiva a crer e servir a Jesus e amar ao próximo.
Se o quarto evangelho distingue-se pelo seu caráter que-rigmático, a primeira
epístola de João caracteriza-se pelo ensinamento ético e o tom exortativo e
prático. O comportamento ético tem como base o mandamento do amor fraterno que
permeia por toda a epístola. Embora o autor advirta contra os enganadores
infiltrados no grupo (1 Jo 2.26), sua carta tem um estilo mais pastoral. Ele
trata os destinatários de filhinhos e escreve para que:
a)
a alegria deles seja completa (1.4,);
b)
não pecassem e abandonassem a fé (2.1);
c)
tivessem a convicção da vida eterna (5.13). Eles deveriam assumir o amor como
projeto de Deus para seus filhos, que era uma comunidade com base na comunhão e
proteção mútuas (1.3,5,7), sem deixar-se influenciar pelo poder maligno e
sedutor do mundo dominado pelo Império Romano na época.
Conhecimento,
justiça e concupiscência como palavras-chave
A
epístola tem várias palavras-chave (amor, comunhão, pecado, mandamento,
justiça, injustiça, concupiscência), mas, devido ao título do livro, a ênfase
será nas palavras-chave: conhecimento, justiça e concupiscência, que, de certa
forma, estão inter-relacionadas com as demais palavras-chave.
Como
os falsos mestres influenciados pelo gnosticismo exaltavam o conhecimento, o
autor destaca qual é o verdadeiro conhecimento que salva. Ele emprega o verbo ginôskein, diferente de “saber”, eidénai, que só é autêntico quando se é
colocado em prática os mandamentos de Deus (1 Jo 2,3,4) e evidenciado com o
amor aos irmãos da comunidade (4.7,8). Trata-se de um conhecimento de Deus que
leva à prática da justiça em relação ao próximo, como descrito por Oseias (Os
4.1,2) e Jeremias (Jr 22.15,16), que é traduzido por João como a obediência aos
mandamentos divinos (1 Jo 3.23 e 4.21), diferentemente do comportamento
daqueles que abandonaram a comunidade e são acusados por João de falta de amor
para com seus irmãos (1 Jo 2.9-11; 3.11-24; 4.7-21). Por isso, houve a
recomendação de que esse comportamento não deveria ser o da comunidade joanina
(1 Jo 1.5-13). Portanto, o conhecimento de Deus está relacionado à prática da
justiça, pois é uma demonstração de que a pessoa é nascida de Deus e justa (1
Jo 2.29; 3.7). Por outro lado, João afirma que quem não pratica a justiça e
quem não ama seu irmão não é de Deus (1 Jo 3.10), pois toda injustiça é pecado
(1 Jo 1.9; 5.17). Portanto, o conhecimento que conduz à prática da justiça
resulta no amor fraterno recomendado por João.
O
termo grego que é traduzido por concupiscência na epístola é epithymía, que
significa “desejo” e “cobiça”. Essas traduções somente são utilizadas no texto
que caracteriza o “mundo” que não deve ser amado (1 Jo 2.15-17). É uma
expressão simples, porém com profundo significado para a vida espiritual do
cristão. Por isso, será detalhado nas próximas seções e retomado nos próximos
capítulos do livro, pois a tríade “concupiscência da carne, concupiscência dos
olhos e soberba da vida” será um tema que perpassará toda esta obra. A tríade
será expressa ao longo do livro por palavras equivalentes como inveja, desejo,
avareza, soberba, ambição, luxúria, obsessão pelo ter, consumismo, ostentação,
entre outros relacionados ao dinheiro, sexo e poder.
II. Quem Ama o
Mundo o Amor do Pai não Está nele
1. O mundo que não deve ser
amado
Mathew
Henry (2015, p. 915) afirma que o mundo criado por Deus deve ser admirado, mas
quando o ser humano sede às inclinações da sua natureza depravada em vez de
admirá-lo, busca dominar o mundo para atender suas próprias concupiscências:
O
mundo, fisicamente considerado, é bom e deve ser admirado como obra de Deus e
um espelho na qual a sua perfeição brilha, mas deve ser considerado no seu
relacionamento conosco agora em nosso estado corrompido e como trabalho em
nossa fraqueza e instiga e inflama nossas paixões perversas. Existe uma grande
afinidade e aliança entre o mundo e a carne, e este mundo penetra e invade a
carne e assim se volta contra Deus.
As
coisas do mundo, portanto, são distinguidas em três classes, de acordo com as
três inclinações predominantes da natureza depravada: (1) A concupiscência da
carne; [...]
(2)
A concupiscência dos olhos; [...]
(3)
A soberba da vida. (HENRY, 2015, p. 915)
A
palavra grega traduzida para mundo é kosmos.
Ela tem três diferentes significados no Novo Testamento:
a)
mundo físico criado por Deus, o planeta em que vivemos (At 17.24; Mt 13.35; Jo
1.10; 13.1; Mc 16.15; Hb 1.2);
b)
a humanidade em geral, objeto do amor sacrificial de Deus para salvação (Jo
3.16; 12.19; 17.21);
c)
o sistema dominante que se opõe a Deus (Mt 16.26; 18.7; Jo 14.17; 15.18,19; 1
Co 2.12; 3.19; 7.31; 2 Pe 1.4; Hb 11.38; Tg 1.27; 1 Jo 2.15; 3.17; 5.19). Os
dois primeiros “mundos”, o mundo maravilhoso criado por Deus e as pessoas, são
dignos de nossa admiração e amor, pois ambos foram criados por Deus para
adorá-lo.
Os
textos bíblicos que afirmam o amor de Deus pelo mundo referem-se aos seres
humanos (1 Jo 4.9). A comunidade deve amar as pessoas (Rm 13.8; 1 Jo 4.7; 1 Pe
1.22), mas não o sistema de poder que atua no mundo e em seus valores corruptos
(2. Co 4.4), que promove a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos
e a soberba da vida (1 Jo 2.16). A mídia de entretenimento e as campanhas de
marketing atraem, de certa forma, os cristãos para desejarem ter a forma do
sistema dominante do mundo. Algumas pessoas ficam até frustradas quando se
comparam com as personagens que são criadas para atrair os consumidores, mas o
cristão salvo deve permanecer no temor do Senhor (Pv 23.17).
O
mundo que se refere ao sistema (pessoas e instituições) que se opõem a Deus é
aquele que não deve ser amado, pois reflete o estilo de vida das pessoas que
não amam a Deus e não estão comprometidas com a realização de sua vontade. A
maioria das vezes em que a palavra mundo é citada na Bíblia está no sentido
negativo, referindo-se ao sistema perverso que afasta o ser humano da vontade
de Deus. Trata-se do mundo que faz com que as coisas e as pessoas sejam tratadas
como ídolos, movendo, assim, os sentimentos e ações de pessoas que os têm como
deuses. Desse modo, tudo o que colocamos em primeiro lugar em nossa vida antes
de Deus é idolatria (1 Co 10.7,14,31). Jesus disse que quem ama algo deste
mundo mais do que a Ele próprio não é digno dEle (Mt 10.37,38). O cristão deve
desconfiar de tudo o que concorre com Deus em sua vida. Por isso, ao longo
deste livro, quando for citado o mundo a ser evitado, esse mundo refere-se
àquele que concorre com Deus e que jaz no Maligno (1 Jo 5.19).
2. O amor ao mundo é inconsistente
com o amor de Deus
O
autor da Primeira Carta de João caracteriza o mundo que não deve ser amado como
aquele que é constituído por pessoas que:
a)
não conhecem a Deus (1 Jo 3.1);
b)
são contrárias à Igreja de Cristo (3.13); e
c)
são dominadas pelo Maligno (5.19). O apóstolo Paulo afirma que o cristão salvo
não deve tomar a mesma forma das pessoas que fazem parte do mundo. Ao
contrário, deve renovar sua mente por meio da prática do evangelho, ou seja,
deve influenciar as pessoas que se opõem a Deus e não se deixar ser
influenciado pelo seu estilo de vida (Rm 12.1,2). O mundo usurpa a paixão de
quem se deixa levar por ele. Dessa forma, o cristão deve estar em constante
vigilância para não se acostumar com o estilo de vida que se opõe à vontade e
ao projeto do Reino de Deus.
Quanto
mais próximo o cristão estiver do amor ao mundo, mais se distanciará da prática
do amor de Deus. Jesus, na oração sacerdotal, deixou claro que seu discípulo
está no mundo físico (Jo 17.11), mas não é do mundo, ou seja, não se conforma
com o sistema opressivo dominante (Jo 17.14). Ele é chamado para fora do mundo
de trevas e é reenviado ao mundo como luz e testemunha viva da transformação
que se dá por meio do evangelho (Jo 17.18). As pessoas que se adéquam ao estilo
de vida e procedimento do mundo encontram dificuldade para fazer a vontade de
Deus, pois a prioridade não é o bem da coletividade e a defesa dos menos
favorecidos. Ao contrário, o que se busca é o atendimento egoísta dos desejos
pessoais. É, portanto, um modo de vida inconsistente com o amor de Deus,
provado por meio do sacrifício vicário e voluntário de Cristo para salvar a
humanidade (Rm 5.8).
O
novo convertido recebe uma nova natureza quando é justificado, de forma que ele
não se agrada mais das antigas práticas “mundanas” (2 Co 5.17), tornando-se,
assim, cidadão de um novo reino (Fp 1.27, 3.20). Jesus afirmou que o seu Reino
não era desse mundo que deve ser evitado (Jo 18.36). Os desejos do cristão
devem voltar-se para o que é permanente, e não para o que é transitório e
efêmero (Lc 12.33; 1 Tm 6.18,19). Quem continua amando o mundo não cresce
espiritualmente e torna-se estéril no Reino de Deus (Mt 3.8, Lc 6.43-45, Jo
12.25, 15.1-8). O cristão que se torna amigo do mundo (Tg 4.4) é contaminado
por ele (Tg 1.27), toma a forma dele (Rm 12.2) e acaba tornando-se inimigo de
Deus. Se o cristão não mudar de comportamento e voltar-se para Deus, acabará
sendo condenado com o mundo (1 Co 11.32). O cristão deve amar o planeta e a
humanidade criada por Deus, mas não deve tomar a forma do estilo de vida das
pessoas que não conhecem e opõem-se a Deus.
III. A Cobiça e a Soberba, Frutos da Cultura Materialista
1. Concupiscência, a falta
de domínio sobre o forte desejo pelo pecado
Concupiscência,
no sentido etimológico, tem sua origem do latim concupiscens e significa “o que tem um forte desejo”, que, por sua
vez, deriva da palavra concupera, cujo significado é “ter forte desejo”. Assim,
o termo é utilizado para designar a cobiça por bens materiais, bem como por
prazeres sexuais, entre outros desejos de prazer. Dependendo do contexto,
concupiscência torna-se sinônimo de libertinagem ou lascividade carnal.
Libertinagem
é uma característica de quem não sabe usar adequadamente a liberdade que tem. A
palavra tem sua origem do francês “libertinage”, cujo significado é devassidão.
Quem exerce a libertinagem não respeita a integridade física, emocional ou
psicológica das pessoas, tornando-se, portanto, uma pessoa devassa, dissoluta,
licenciosa e insubordinada. Os valores morais de cada pessoa interferem sobre o
seu conceito de liberdade e libertinagem. O apóstolo Paulo adverte aos gálatas
sobre o limite da fronteira entre liberdade e libertinagem. Ele afirma que
temos liberdade em Cristo por meio da justificação da fé, que não pode ser
transformada em libertinagem sob o risco de perda da salvação. Lascívia é um
substantivo feminino que se refere à sensualidade, libidinagem, luxúria. É uma
palavra frequentemente relacionada com a palavra volúpia, que significa “o
grande prazer dos sentidos e o grande prazer sexual”. Na Bíblia, concupiscência
é sinônimo de pecado e compromete a vida eterna com Deus.
2. A cobiça da carne
Como
visto, a concupiscência é considerada uma cobiça por bens materiais ou prazeres
sexuais e outros desejos que trazem grande satisfação pessoal. O desejo e o
prazer em comer, beber, dormir, fazer sexo, entre outros, é natural ao ser
humano. No entanto, a concupiscência da carne é uma ânsia que o ser humano tem
de consentir com o mal e contrariar a vontade de Deus (Rm 7.18; 8.1). As
pessoas que se entregam à cobiça da carne são praticantes de toda sorte de
imoralidades sexuais como, por exemplo, relacionamentos amorosos contrários à
orientação bíblica, a prostituição, a pornografia, o sexo fora do casamento, a
lascívia, a libertinagem, entre outras.
Quando
se fala em concupiscência ou cobiça da carne, as pessoas geralmente relacionam
a expressão com deslizes na área sexual. Os leitores da Bíblia geralmente se
lembram de personagens como Sansão, que trocou o seu nazireado pelas orgias com
mulheres estranhas ao seu povo e pelo relacionamento amoroso com Dalila. Davi
também é outro personagem muito lembrado. Conhecido como o homem segundo o
coração de Deus, ele abriu mão da presença do Senhor em sua vida por um
relacionamento extraconjugal, que também o levou a um homicídio. Todavia, além
da área sexual, outros desejos também são concupiscência da carne, como a glutonaria,
que é pouco mencionada, entre outros.
João
adverte o cristão a vigiar e buscar o domínio e não ser dominado pela natureza
humana, caída e pecaminosa. Algumas pessoas atribuem suas imoralidades à ação
de Satanás, mas o apóstolo Tiago deixa bem claro que as pessoas cometem pecados
quando atraídos pela própria concupiscência (Tg 1.14).
3. A cobiça dos olhos
Enquanto
a cobiça da carne aplica-se particularmente aos pecados que provêm do corpo, a
cobiça dos olhos está relacionada com o prazer mental que é estimulado pela
vista e que pode resultar na consumação do pecado pelo corpo. Os olhos são
considerados as janelas da alma. Eles, se controlados e conduzidos pelos
interesses individuais e egoístas, podem levar o ser humano a uma cobiça
desenfreada e o consequente afastamento da vontade de Deus. A maioria dos
pecados cometidos no corpo passa primeiramente pelos olhos (Mt 5.27,28); por
isso, é importante ter cuidado com os desejos ilícitos que são alimentados pela
visão.
A
Bíblia narra alguns episódios de personagens que, devido à cobiça dos olhos,
atraíram para si e para as pessoas próximas resultados desastrosos: a) Adão e
Eva — a narrativa da criação apresenta a entrada do pecado no mundo tendo sua
origem na cobiça dos olhos. Foi a cobiça dos olhos que conduziu à desobediência
(Gn 3.6,7); b) Acã — durante a conquista liderada por Josué, Acã tentou a si
mesmo ao avistar entre os despojos de guerra uma linda capa babilônica; ele
cobiçou a capa e tomou-a para si. Toda a comunidade de Israel foi prejudicada por
causa disso (Js 7.20,21); c) Davi — cometeu adultério e homicídio devido à
cobiça dos olhos. Tudo começou quando ele estava em um lugar que não deveria
estar e, então, visualiza uma formosa mulher comprometida tomando banho (2 Sm
11—12). Esses exemplos têm-se repetido na vida de muitas pessoas que não estão
atentas ao risco da cobiça dos olhos.
4. A soberba da vida
A
soberba da vida é a ostentação pretensiosa (riqueza, poder, inteligência,
status social, carros, entre outros). Pessoas soberbas têm por objetivo
impressionar as outras com sua suposta superioridade ou importância. Se for
preciso, projetam uma imagem falsa com o objetivo de tirar vantagens. Da mesma
forma, desprezam ou humilham outras pessoas para sobressaírem-se.Vivem como se
não precisassem das demais pessoas; quando pedem auxílio de alguém, geralmente
é para usá-las em seu favor.
A
vida de pessoas famosas que ostentam glória, pompa e vaidades pessoais
influenciam outras — em especial, a juventude em busca de uma vida de
“sucesso”. Todas as pessoas gostam de serem admiradas e de receberem aplausos.
O que as diferenciam é a maneira como lidam com isso. Aquele que não tem o
temor de Deus busca a ostentação pretensiosa a qualquer preço; se for preciso,
ele renuncia a prática da honestidade e da integridade para alardear poder. O
mundo consumista da atualidade, que valoriza o ter em detrimento do ser, tem grande
influência no comportamento das pessoas. O final dessas pessoas que amam as
coisas e usam as outras não é bom. O Salmo 73 é um exemplo para refletir sobre
pessoas que se espelham na vida de outras que, aparentemente, são
bem-sucedidas, mas que comprometem o seu futuro e a vida eterna por não serem
tementes a Deus. O maior e melhor modelo a ser seguido é o de Jesus, que, mesmo
sendo Deus, viveu uma vida simples e humilde, amando e indo ao auxílio das
pessoas desfavorecidas (Fp 2.6-11).
A
soberba da vida e a cobiça da carne e dos olhos estão inter-re-lacionadas. A
motivação do cristão deve ser fazer a vontade de Deus para não ser dominado por
elas.
IV. Entre o Materialismo Temporário e a Vontade Eterna de
Deus
1. A matéria e a vida humana
são passageiras
Todas
as coisas materiais têm a sua vida útil; elas nascem ou são criadas,
transformam-se e morrem ou deixam de existir. O estado das coisas terrenas é
passageiro; não permanece para sempre. O ser humano não é diferente; ele também
tem sua vida útil. Algumas pessoas, enquanto jovens, pensam que sua vitalidade
e desejo nunca irão definhar-se e decair. Isso é um grande engano! Pessoas
experientes com algumas décadas de vida conhecem muito bem a diferença
existente entre a juventude e a idade adulta. A tendência humana é pensar no
imediato. Muitas pessoas não pensam no dia de amanhã e, em determinado momento
da vida, são pegas de surpresa por acontecimentos inerentes a qualquer pessoa.
Como quase tudo na vida, o ideal é ter o equilíbrio, ou seja, viver bem o presente,
mas não descuidar do futuro. Não é diferente na vida espiritual. Precisamos
viver o presente sob o temor do Senhor, priorizando a vontade de Deus e vivendo
em comunhão e em paz com todos. Assim, estaremos garantindo também a vida
eterna com Deus.
Eclesiastes
12 aborda magistralmente o envelhecimento humano, incentivando o temor e
reverência a Deus desde a juventude para não olhar o passado e arrepender-se da
vida vivida. O mundo com seu sistema dominante terá seu fim (1 Pe 3.10; Ap
21.1-4). Jesus veio “para desfazer as obras do diabo” (1 Jo 3.8b). A confiança
não deve ser nos prazeres momentâneos ou nos bens e recursos humanos que
proporcionam uma falsa segurança. O conselho do poeta continua atual:
“Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade, antes que venham os maus
dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: Não tenho neles
contentamento” (Ec 12.1).
A
vida é passageira e teremos que prestar contas a Deus do que fazemos dela. Por
isso, a necessidade de priorizar o que permanece para sempre. Sendo assim, o
autor da Primeira Epístola de João incentiva, em especial, os jovens (2.14b), a
perseverança na luta contra a força do mundo e seus atrativos: a concupiscência
da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Muitas pessoas estão
sofrendo hoje porque não agiram com sabedoria e nem deram ouvidos à Palavra de
Deus na época de sua juventude. Provavelmente, se pudessem, voltariam atrás e
fariam muitas coisas diferentes, mas isso não é possível. No entanto, é
possível fazer algo: mudar de atitude no momento presente e desfrutar da melhor
maneira possível o tempo de vida útil que ainda está reservado a cada ser
humano. Enquanto há vida, existe possibilidade de mudar o futuro. O futuro mais
importante é o da vida eterna. É bem-aventurado quem vive hoje com vistas à
vida eterna com Deus.
2. A imortalidade de quem
ama e faz a vontade de Deus
O
texto em estudo (1 Jo 2.15-17) faz parte de um contexto literário maior. Ele
está unido a 1 João 2.12-14, que afirma ter os jovens destinatários vencido as
ofertas do mundo por meio da Palavra. O autor enfatiza: “Eu vos escrevi,
jovens, porque sois fortes, e a palavra de Deus está em vós, e já vencestes o
maligno” (2.14b). Esse texto também tem relação com a perícope precedente
(2,3-11), a qual enfatiza a necessidade de fazer a vontade de Deus observando
os seus mandamentos. Enquanto isso, os versos posteriores a essa unidade
(2,18-27) esclarecem que isso é colocado em ação quando se pratica o amor
fraterno. No início do capítulo 2 da epístola, o autor já havia mencionado
aqueles que deram ouvidos às ofertas do mundo e abandonaram a comunidade (v.
9), um exemplo para não ser seguido. Ele adverte que a melhor opção é fazer a
vontade de Deus, independentemente das circunstâncias, pois, assim procedendo,
acumulariam tesouros no céu.
Arrington e Stronstad
reforçam sobre o perigo com a amizade do mundo e o acúmulo de tesouros na
terra:
O motivo pelo qual “o mundo”
ouve os oponentes é que eles “falam do mundo” (1 Jo 4.5) ou “falam a partir do
ponto de vista do mundo”. Não provocam a hostilidade do mundo porque esta
resulta somente da exibição de seus feitos malignos, quando são revelados pela
luz da mensagem de Deus (Jo 7.7; cf. 1 Jo 3.12). Os oponentes de João podem ter
sido como certos oponentes de Paulo, que foram atraídos ao que era visível e
que impressionava (2 Co 10-11). Em resposta, Paulo insistiu que os cristãos
devem manter seus olhos (espirituais) fixos não no visível, que é apenas
temporário, mas no invisível, que é eterno (2 Co 4.18). Isto é notavelmente
semelhante à linguagem do verso final desta seção: Qualquer coisa associada com
o mundo “passa”, mas “aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”.
A fascinação pelo que é material é grande. Mas somente um louco acumula
tesouros na terra, que breve serão perdidos, ao invés de acumulá-los no céu,
onde jamais serão perdidos (Mt 6.19-21). (ARRINGTON; STRONSTAD, 2012, p. 971)
Jesus,
após a multiplicação dos pães, recomenda a seus ouvintes trabalharem “não pela
comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna” (Jo 6.27).
Ele acrescenta que a libertação verdadeira dá-se somente aos que “permanecerem
em sua palavra” (Jo 8.31). Deus quer que o ser humano compreenda sua vontade
(Ef 5.17) e conheça seus atos e caminhos (Sl 103.7). A pessoa que ama a Deus
sente alegria e prazer em fazer a sua vontade (Jo 14.15) e tem a garantia da
vida eterna. Mateus e Lucas orientam que se façam ações em benefício do Reino
de Deus, pois somente assim é possível acumular tesouros no céu, onde nem a
traça, nem a ferrugem, nem a corrupção destroem (Mt 6.19-21; Lc 12.33,34). Um
tema preponderante em 1 João é a permanência. Quem se conserva na Palavra
permanece para sempre.
Divulgação: Escola Bíblia ECB | Artigo:
Pr. Natalino das Neves