O relato do trabalho
evangelístico de Filipe em Samaria é um dos melhores cenários para
descrever o "poder do alto contra as hostes da maldade". O enfoque
das hostes da maldade aparece no contexto de Efésios 6.12. Simão, o mágico,
agia sob o poder das trevas; era um opositor do evangelho. Conscientemente ou
não, ele era usado pelos demônios para falsificar os milagres tentando imitar
as obras de Deus.
1. O
PODE DO ALTO
Definição: O
poder do alto diz respeito ao poder do Espírito Santo na vida da Igreja que
veio no dia de Pentecostes para ficar para sempre.
Jesus disse antes de voltar
ao céu: "E eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na
cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder" (Lc
24.49). Ele estava se referindo à descida do Espírito Santo que aconteceu no
dia de Pentecostes, marcando o início da jornada histórica da Igreja. Esse
derramamento do Espírito foi em decorrência da obra expiatória de Jesus no
Calvário: "Deus ressuscitou a este Jesus, do que todos nós somos
testemunhas. De sorte que, exaltado pela destra de Deus e tendo recebido do Pai
a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis"
(At 2.32, 33).
O Novo Testamento identifica esse derramamento por diversos
nomes, entre eles: revestimento de poder e promessa do Pai, ou do meu Pai (Lc
24.49), batismo no Espírito Santo (At 1.5), virtude do Espírito Santo (At 1.8)
e dom do Espírito Santo (At 2.38).
2. A ÚNICA RELIGIÃO DO PLANETA QUE TEM O PODER ESPÍRITO
SANTO
O Espírito Santo
na vida da Igreja é um fenômeno exclusivo do cristianismo, que é a única
religião do planeta que tem o Espírito Santo (Jo 14.16, 17). Ele habita
em todos os crentes em Jesus, pentecostais e não-pentecostais (1 Co 3.16; Gl
4.6); ele mesmo é quem convence o pecador, conduzindo-o a Cristo (Jo 16.8). Na
regeneração, ele promove o novo nascimento, que é um ato direto do Espírito
Santo (Jo 3.6-8). O pecador recebe o Espírito quando recebe Jesus (Gl 3.2; Ef
1.13). Os crentes têm, sim, autoridade sobre o mal, pois a promessa de Jesus é
para todos os que creem nele (Mc 16.17-20). Não se deve, portanto, confundir
batismo no Espírito Santo com salvação. Os discípulos de Jesus já eram salvos e
tinham o Espírito Santo antes mesmo do Pentecostes (Lc 10.20; Jo 15.3; 20.22).
O batismo no Espírito Santo,
o poder do alto, é um recurso espiritual adicional na vida cristã, um
revestimento de poder para o crente viver a vida regenerada, um poder
espiritual que contribui para a edificação interior do crente. A Declaração de
fé das Assembleias de Deus define os dons espirituais como as
"capacitações especiais e sobrenaturais concedidas pelo Espírito de Deus
ao crente para serviço especial na execução dos propósitos divinos por meio da
Igreja" (p. 171). Foi sob esse poder que Filipe revolucionou a cidade de
Samaria.
3. FILIPE EM SAMARIA
a)
Há no Novo Testamento quatro personagens chamados Filipe.
Dois da casa de Herodes:
Herodes Filipe I, ou simplesmente Filipe (Mt 14.3), e Herodes Filipe II, o
tetrarca da Itureia (Lc 3.1); um é discípulo de Jesus, o apóstolo, e seu nome
aparece entre os doze apóstolos (Mt 10.3; Mc 3.18; Lc 6.14); o outro é
conhecido como Filipe, o evangelista (At 21.8), mencionado antes na escolha dos
sete varões para o diaconato (At 6.5). Este é o Filipe que realizou o trabalho
evangelístico em Samaria: "E, descendo Filipe à cidade de Samaria, lhes
pregava a Cristo. E as multidões unanimemente prestavam atenção ao que Filipe
dizia, porque ouviam e viam os sinais que ele fazia, pois que os espíritos
imundos saíam de muitos que os tinham, clamando em alta voz; e muitos
paralíticos e coxos eram curados. E havia grande alegria naquela cidade"
(At 8.5-8). Filipe logo se destacou na pregação do evangelho e aparece cerca de
vinte anos depois como evangelista (At 21.8).
b)
Samaria é o nome de uma região.
A Bíblia faz menção das
"cidades de Samaria" (1 Rs 13.22; 2 Rs 17.24,26; 23.19), onde havia
várias aldeias e cidades (Lc 9.52; Jo 4.5). Filipe esteve na "cidade de
Samaria" (At 8.5). Essa cidade se tornou a capital do Reino do Norte, o
reino de Israel, a casa de Efraim, todos nomes alternativos das dez tribos do
norte que se separaram de Jerusalém, a casa de Davi.
Ela foi fundada por Onri, o
fundador da quarta dinastia do Reino do Norte, com quatro reis: Onri, Acabe,
Acazia e Jorão (1 Rs 16.28; 22.40; 2 Rs 1.17, 18; 9.24). Jeú matou Jorão, o
último rei da dinastia de Onri, e fundou a quinta dinastia em Israel. Onri
comprou um monte de um cidadão chamado Semer, onde fundou uma cidade à qual deu
o nome de Samaria, em homenagem ao dono anterior, e fez dela a capital do seu
reino (1 Rs 16.24). Acabe construiu nela um templo a Baal (1 Rs 16.32) e desde
então a cidade se tornou um centro de idolatria (Jr 23.23; Os 8.5, 6).
Herodes, o Grande,
fortificou e embelezou a cidade, alterando o seu nome para "Sebaste",
em homenagem a Augusto, Imperador romano. O termo vem de sebastós, adjetivo
grego que significa "digno de respeito, venerado, venerável"; e
sebasté, equivalente ao termo latino augustus, título imperial conferido a Otávio,
o segundo dos doze Césares. Foi no reino de Augusto que Jesus nasceu (Lc 2.1).
Samaritanos e judeus não consideravam o nome "Sebaste"; por essa
razão, não é surpreendente o Novo Testamento usar somente o antigo nome de
Samaria.
Havia um clima de tensão
cultural e religiosa entre judeus e samaritanos nos tempos de Jesus (Lc 9.52,
53; Jo 4.9), embora Israel reconheça ainda hoje os samaritanos como judeus. Mas
o Senhor Jesus mudou isso abrindo as portas do futuro para Filipe (Jo 4.39-42).
Dessa forma, podemos afirmar que o relacionamento cristão com os samaritanos
começou de forma salutar com o Senhor Jesus e prosseguiu com Filipe e os
apóstolos Pedro e João (At 8.13, 14).
Essa rivalidade era antiga,
pois os judeus recusaram a ajuda dos samaritanos na reconstrução do templo de
Jerusalém quando Judá retornou do cativeiro babilônico (Ed 4.1-4). Os
samaritanos rejeitaram as Escrituras do Antigo Testamento e adotaram apenas o
Pentateuco, hoje conhecido como Pentateuco Samaritano, com cerca de 6 mil
variantes em relação ao Pentateuco Hebraico. Além disso, os samaritanos
construíram um templo rival no monte Gerizim. O relacionamento deles, que já
não era bom, depois de tudo isso ficou pior ainda, e eles se tornaram rivais.
Com esses fatos, a ruptura samaritana se consolidou, mas eles esperavam também
a vinda do Messias (Jo 4.25). Na era apostólica, Samaria era o nome da cidade e
ao mesmo tempo de uma região.
c)
Filipe em Samaria
Filipe foi impulsionado pelo Espírito
Santo; do
contrário, não ousaria enfrentar as hostilidades dos samaritanos. Filipe
"lhes pregava a Cristo" (At 8.5), e isso era importante porque os
samaritanos esperavam a vinda do Messias. Nessa pregação, eles testemunhavam o
poder do Messias, o Cristo, de modo que as multidões prestavam atenção no que
ele dizia, pois "ouviam e viam os sinais que ele fazia (v. 6). Era algo
inédito e que atraía as multidões: "pois que os espíritos imundos saíam de
muitos que os tinham, clamando em alta voz; e muitos paralíticos e coxos eram
curados" (v. 7). Essa manifestação era o autêntico poder do alto contra as
hostes por meio da pregação do evangelho. Filipe revolucionou a cidade pelo
poder de Deus.
O povo prestava atenção no
que Filipe dizia. Deus fazia muitos sinais e maravilhas entre os samaritanos
por meio dele. Muitos se converteram e foram batizados, e o evangelho era
divulgado em Samaria como determinou o Senhor (At 1.8). Filipe não falava outra
coisa senão "o reino de Deus e do nome de Jesus Cristo" (8.12).
O Senhor Jesus havia
proibido antes os discípulos de entrarem em cidades de samaritanos: "Não
ireis pelo caminho das gentes, nem entrareis em cidade de samaritanos" (Mt
10.5). Isso porque ainda não era tempo. Antes de seu retorno ao céu, Jesus
mandou pregar em Samaria: "e ser-me-eis testemunhas tanto em Jerusalém
como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra" (At 1.8).
Filipe agora estava cumprindo com êxito essa missão. Encontramos samaritanos e
gentios no contexto da evangelização: "Samaria e até aos confins da
terra" (At 1.8). Filipe, em Atos 8, inicia o grande projeto missionário,
levando avante a ordem imperativa do Mestre (Mt 28.19, 20, Mc 16.16, 15). Ele
começou com os samaritanos e depois foi enviado pelo Espírito Santo para a
região de Gaza, a fim de levar o evangelho ao eunuco da rainha da Etiópia, que
estava sedento da Palavra de Deus (At 8.26-39.).
A chegada de Filipe a
Samaria mostra que na Igreja de Jesus não há preconceito. É verdade que Filipe,
pelo que se infere do nome, era judeu helenista e, como tal, não era tão
extremista como os judeus de Eretz Israel — os hebreus. Isso somente não
justifica a sua ida a Samaria porque Pedro e João eram hebreus, nascidos em
Israel; no entanto, eles foram a Samaria para apoiar o trabalho de Filipe. A
chegada desses apóstolos em Samaria fortaleceu o trabalho de Filipe, e os
samaritanos foram batizados no Espírito Santo (8.14-17). Onde o evangelho
chega, os preconceitos são removidos, e o Espírito Santo começa a operar.
4. SIMÃO, O MÁGICO OU SIMÃO MAGO
Antes da chegada de Filipe a
Samaria, ali estava Simão, o mágico, conhecido também como Simão Mago:
"Simão, que anteriormente exercera naquela cidade a arte mágica e tinha
iludido a gente de Samaria, dizendo que era uma grande personagem" (At
8.9). Ele era reconhecido pela população samaritana como "a grande virtude
de Deus" (At 8.10). Isso significa que Simão se declarava um tipo de
emanação ou representação do ser divino. Segundo Justino, o Mártir, Simão Mago
nasceu num vilarejo chamado Giton (Apologia I.26), aldeia situada 10
quilômetros a oeste da atual Nablus, na região de Sicar (Jo 4.5), a antiga
Siquém no Antigo Testamento.
Parece que a sua
popularidade foi eclipsada com a chegada de Filipe na cidade. Mas o relato
afirma: "E creu até o próprio Simão; e, sendo batizado, ficou, de
contínuo, com Filipe e, vendo os sinais e as grandes maravilhas que se faziam,
estava atônito" (At 8.13). O que muito se discute é essa conversão, pois
tradicionalmente Simão era hipócrita, segundo Irineu de Lião: "Este Simão
fingiu abraçar a fé, pensando que também os apóstolos realizassem curas por
meio da magia e não pelo poder de Deus" (Contra as heresias, 1.23.1). Mas
o texto sagrado diz que Simão creu e foi batizado juntamente com os outros
samaritanos. Justo González, citando Jürgen Roloff, explica em seu comentário
sobre o livro de Atos: "Simão concordou em se juntar à comunidade na
esperança de descobrir o segredo do poder de Filipe de realizar feitos
extraordinários; por isso, ele não o deixa sozinho, a fim de observá-lo de
perto enquanto ele desempenha suas atividades" (p. 136). Isso indica que
nem sempre uma pessoa estar dentro da igreja significa que sua vida foi
transformada por Cristo; muitas vezes é mera curiosidade ou interesse em copiar
a ação de Deus, como se isso fosse possível.
A chegada dos apóstolos
Pedro e João a Samaria implica que ainda faltava alguma coisa; era o batismo no
Espírito Santo. Essa promessa completava a obra do evangelho na região:
"Então, lhes impuseram as mãos, e receberam o Espírito Santo. E Simão,
vendo que pela imposição das mãos dos apóstolos era dado o Espírito Santo, lhes
ofereceu dinheiro, dizendo: Dai-me também a mim esse poder, para que aquele
sobre quem eu puser as mãos receba o Espírito Santo" (At 8.17-19). Simão
viu que os apóstolos tinham o poder de conferir o Espírito Santo por imposição
de mãos. Ele desejava ter esse mesmo poder para ampliar o seu currículo, por
isso ofereceu dinheiro em troca. Simão não se interessou pelo dom de realizar
milagres, pois pediu para comprar o dom específico, ou seja, receber o dom do Espírito
Santo pela imposição de mãos.
Ele estava tratando o dom do
espírito Santo como mercadoria. Mas o apóstolo Pedro respondeu com uma maldição
que era ao mesmo tempo um convite ao arrependimento (w. 20-22). Nada indica no
relato que Simão se arrependeu; está escrito que ele pediu que Pedro e João
orassem por ele: "orai vós por mim ao Senhor" (At 8.24). A prática de
compra e venda de posições eclesiásticas na Idade Média passou a ser chamada de
"simonia", porque Simão Mago quis comprar o dom do Espírito Santo com
dinheiro. O termo é usado ainda hoje, principalmente aos charlatões, que tratam
o dom de Deus como se fosse mercadoria.
O texto sagrado não diz o
que aconteceu depois disso com Simão, mas há uma farta literatura patrística
que mostra a má impressão de Simão Mago como poucos personagens bíblicos.
Segundo Irineu de Lião, Simão foi o originador de todas as heresias (Contra as
heresias, 1.23.2). Esse pensamento se perpetuou ao longo da história. A
literatura patrística acusa com frequência Simão como o pai do gnosticismo.
Talvez haja exagero nisso tudo, mas é certo que existem fortes ligações entre
Simão e o gnosticismo antigo.
Simão Mago era tido pelos
samaritanos como o "Grande Poder" acostumado a ostentar dinheiro e
operar milagres. Ele estava agora diante de um pescador da Galileia
transformado em um pescador de almas, revestido do poder do alto, que impunha as
mãos sobres pessoas e elas recebiam o Espírito Santo. Era a diferença entre o
poder do dinheiro e o poder que transforma um humilde pecador em apóstolo de
Cristo. Somente os cristãos têm poder a autoridade sobre as hostes da maldade
(Mt 10.4; Lc 10.19). As obras das trevas são demolidas pelo poder de Deus no
trabalho de pregação do evangelho de Cristo.
Fonte: SOARES, Esequias/
SOARES, Daniele. Batalha Espiritual. O povo de Deus e a Guerra Contra as
Potestades do Mal. 1ª edição de 2018 - CPAD